Edivaldo Magro
O esforço midiático para reforçar o conceito de Maringá como a ‘melhor cidade do país para viver’, ancorado em índices consolidados por empresa privada, não encontra correspondência na realidade de parte considerável de seus 410 mil habitantes. Os indicadores que sustentam o discurso ufanista não alcançam cerca de 110 mil pessoas, cuja sobrevivência depende do auxílio do governo federal. Na prática, isso significa que ¼ da população maringaense vive na pobreza, amparada por iniciativas públicas e extensa rede de proteção social privada.
Esses números não são inéditos e ganham relevância com alguma periodicidade, sem a contrapartida da necessária repercussão, invisibilizados por índices positivos que ‘vendem’ uma cidade robusta em infraestrutura, como saneamento e educação. O Índice dos Desafios da Gestão Municipal (IDGM), elaborado pela empresa de consultora Macroplan, referendando a apologia midiática e política do conceito de ‘melhor cidade’, destaca Maringá em primeiro lugar em sete parâmetros em ranking formado por 15 indicadores de desempenho.
Saúde (atenção básica), taxa de mortalidade infantil, serviços de água, esgoto (captação e tratamento), oferta de vagas de 4 a 5 anos e coleta de lixo são os indicadores que alicerçam argumentos de ‘melhor cidade’, mas o recorte de alguns desses parâmetros fragilizam o discurso. Na saúde, a espera por consultas e exames especializados segue longa e conta até com aplicativo para o cidadão acompanhar o tamanho da fila. Ainda que a coleta de lixo seja eficiente, nenhum avanço na reciclagem foi anotado nas últimas décadas.
Em parâmetros igualmente importantes, como taxa de homicídio e mortes no trânsito, a cidade se apresente em 39º e 87º no ranking, posições muito distantes do desejado, reforçando que investimentos em estratégias de combate à criminalidade e reforço da mobilidade não acompanharam o crescimento da cidade. No comparativo que cruza mais de uma década (2010 a 2022), Maringá só piorou nesses dois indicadores, de acordo com o ranking, bem diferente dos demais parâmetros avaliados nos quais a cidade ganhou em qualidade.
Não se contesta que Maringá é uma cidade com virtudes que avalizam projeção no mapa nacional, mas o ufanismo com lastro apenas em alguns indicadores para sustentar a tese de ‘melhor cidade do país’ é exagero. Não se trata apenas de desconstruir discurso e contestar o argumento midiático alicerçado no ranking da consultoria, mas provocar reflexão para a necessidade da retomada do planejamento até como justiça às origens da cidade, nascida nas pranchetas do engenheiro Jorge de Macedo, há 77 anos.
A pergunta que se impõe é a seguinte: os indicadores de ‘melhor cidade’ se projetam na realidade do cidadão? Parte dessa resposta é dada pelos 110 mil habitantes ancorados no Cadastro Único (CadÚnico), porta de entrada para inclusão em programas federais para concessão de benefícios, como bolsa família. O recorte pode alcançar outras demandas que pedem a atenção do gestor público, como a população em situação de rua e vulnerabilidade social, para reforçar a convicção que prevalece distância razoável entre o discurso e prática.
Em 100 cidades, 38,6% da população e 44,2% do PIB
O estudo Desafios da Gestão Municipal (DGM), elaborado apela empresa Macroplan Consultoria e Analytics, “apresenta um panorama de 2010 a 2023 das 100 maiores cidades do país em quatro áreas essenciais que estão sob influência da gestão municipal – saúde, educação, segurança e saneamento e sustentabilidade”, como define a empresa. A apresentação acrescenta que o objetivo do estudo “é estimular ações por parte dos atores públicos e da sociedade que levem a uma maior efetividade da gestão pública”.
Num contexto de mais de 5,5 mil municípios, o recorte de 100 cidades sugere alguma suspeita sobre a eficiência da amostragem na construção dos índices, mas o refinamento dos números relativos sustenta a pretensão. As cidades concentram 78,3 milhões de pessoas, o que representa 38,6% da população do país. Ainda segundo o estudo, os municípios concentram 44,2% do Produto Interno Bruto (PIB), o que representa R$ 4 trilhões (dados de 2021 do IBGE). Os 100 municípios ainda concentram 52,3% dos empregos (27,6 milhões).
“O DGM analisa a evolução de indicadores oficiais, agrupados nas quatro áreas analisadas, entre 2010 e 2023, aferindo o legado de várias administrações. O desempenho da gestão de cada cidade neste período é avaliado por um índice sintético, o Índice Desafios da Gestão Municipal (IDGM), variando de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, melhor o desempenho do município. Com isso, é definido um ranking geral, além de outros rankings por áreas, região, evolução nos anos analisados, entre outras informações”, resume o estudo.
Movimento Repensando Maringá e a origem do discurso ufanista
O movimento Repensando Maringá está na origem do esforço para reafirmar conceitos para distinguir a cidade em alguns eixos de desenvolvimento como estratégia essencialmente econômica, o que não desmerece a iniciativa e muito menos os resultados. Em sua tese de pós-graduação em Ciências Sociais, publicada em 2007, Sérgio Gino, detalha a ‘construção da hegemonia empresarial’ gestada dentro do movimento, nascido no início da década de 1990.
“O movimento articulou e reuniu os diferentes segmentos de grupos empresariais – entidades patronais, comércio, indústria e prestação de serviços – para se transformar em uma força dirigente capaz de ditar alguns rumos políticos da cidade a partir da ideia-força do desenvolvimento econômico”, revela a tese, lembrando que a iniciativa resultou na criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá (Codem), em 1997.
A mobilização reuniu quase uma centena de entidades representativas de diferentes segmentos, mas sob controle da Associação Comercial de Empresarial de Maringá (Acim), “cuja estratégia política lhe permitiu se impor como liderança legítima sobre todo o conjunto”. Embora se apresentasse como um movimento apartidário e sem cunho político, as propostas serviram de base para os planos de governo dos prefeitos eleitos em 1996, 2000 e em 2004.
“O projeto hegemônico gestado pelo grupo empresarial dirigente pautou as administrações municipais nesse período”, destaca a tese, ao oferecer elementos sobre a ação política do empresariado e sua atuação junto ao Poder Executivo. A tese cobre o período de 1994 a 2004, intervalo em que o movimento foi desenhado e aplicado para influenciar aspectos relevantes do desenvolvimento econômico de Maringá.
O esforço contínuo em valorizar as virtudes da cidade repercutiram em diversas áreas, mas em particular no mercado imobiliário, talvez um dos mais beneficiados pelo processo de distinção de Maringá como município onde se vive com excelência. Na prática, quanto mais a cidade patrocina suas virtudes, muitas delas infladas pelo discurso, mais o custo de vida aumenta, o que explica o crescimento das cidades do entorno, especialmente Sarandi.